Jefté: sucesso e drama na era dos Juízes
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O que aconteceu com a filha de Jefté? |
Jefté foi um dos juízes em um período caótico da história de Israel,
1380 a 1050 a. C: "Não havia rei em Israel, porém cada um fazia o que
parecia reto aos seus olhos" Jz 21:25. Vivia em Gileade, sendo membro da
tribo de Manassés. A história de Jefté é curiosa, controversa e não
conclusiva. Ele nasceu e viveu em um contexto familiar desorganizado.
Sua mãe era prostituta, seu pai ( Gileade) tinha muitos filhos de outros
relacionamentos. A Bíblia apresenta Jefté da seguinte forma: " Era
então Jefté o gileadita, valente e valoroso, porém filho de uma
prostituta, mas Gileade gerará a Jefté. Também a mulher de Gileade
tivera outros filhos, já grandes que expulsaram Jefté de casa dizendo:
Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho de outra mulher" Jz
11:1-2.
Assim, Jefté em todo e qualquer contexto histórico, diante de sua origem
e consequências familiares, seria fadado ao insucesso. Alguém lançado à
marginalidade, sem pai, mãe, irmãos e sem lar. Tendo que vencer os
traumas para se posicionar de forma relevante na sociedade. O que
acontece a Jefté, após ser expulso de casa? " Foi habitar na terra de
Tobe; e homens levianos se ajuntaram a ele e saíam com ele" Jz 11:3. Se
meteu com más companhias, mas a facilidade de adaptação ao novo lugar,
demonstra que ele tinha capacidade de liderança.
Então, Jefté era valente, valoroso e lider. Cheio de qualidades, em um
contexto de dificuldades. Quantas pessoas não se identificam com Jefté?
Ele precisaria não chorar o abandono e a desgraça familiar, mas investir
esforços para ser feliz, através daquilo que lhe era próprio:
liderança, força e valor. A história demonstra um homem motivado e
disposto a vencer, tanto que chama à atenção dos anciãos de Israel e em
um momento crítico da nação, ele é lembrado e solicitado: "Volte para
Gileade, venha ser conosco para combater contra os filhos de Amon, seja
cabeça entre nós" Jz 11:08.
Para quem não desanima nem se entrega a má sorte, chegará esse momento
de reconhecimento e vitória. O Jefté valoroso era maior que sua história
natural de desamparado familiar. E essa é uma lição para nós. Tem
semelhança com "
sair de detrás das malhadas",
deixar o anonimato, ser exaltado por ter nascido humilhado, mas não
passar a vida lamentando. O destino empurrava Jefté para o caos, ele
porém, prevalecia pela coragem e vontade de ser feliz.
Juízes 11: 29 "Então o Espírito do Senhor se apossou de Jefté. Este
atravessou Gileade e Manassés, passou por Mispá de Gileade, e daí
avançou contra os amonitas". Israel venceu a guerra e a participação
dele foi decisiva, até que o nomearam juiz da nação. Julgou Israel por
seis anos, sendo sepultado nas cidades de Gileade (no plural).
E Jefté, cujo nome significa "Deus abre" entra para o rol dos juízes de
modo louvável. Deus de fato, abriu caminhos e deu oportunidades a esse
guerreiro que soube ser diplomata e militar. Antes de partir para luta
armada, ele tentou dialogar com as nações inimigas, propondo acordo (
juízes 11:12). Quem diária que alguém tratado com tanto desdém, soubesse
tratar os outros de forma tão complacente? A história desse homem pode
nos ensinar muito.
O voto de Jefté
Agora, há algo de intrigante e controverso na vida de Jefté. Não se sabe
o certo como tudo aconteceu porque a narrativa é confusa e por mais que
seja objeto de debate, nunca, ninguém conseguiu decifrar o que de fato
aconteceu nesse período da vida de Jefté, na volta da guerra. E esse
acontecimento faz com que ele seja lembrado como homem imprudente e
apressado.
Ele fez um voto ao Senhor: " Se totalmente deres os filhos de Amom na
minha mão, aquilo que, saindo da porta de minha casa, me sair ao
encontro, voltando eu dos filhos de Amom em paz, isso será do Senhor, e o
oferecerei em holocausto. Juízes 11:31
Para compreender melhor esse voto, seria necessário conhecer a
intencionalidade dele, o que se passava na mente e coração de Jefté:
falta de fé em ganhar a batalha? Gratidão antecipada por certeza de
vitória? Imprudência?
A batalha já estava ganha porque Deus assim havia confirmado, então por
que a necessidade do voto? Seria um pouco de orgulho em não se conformar
com o mérito Divino e assim adicionar o mérito homem, humano? A vitória
seria por causa do voto, ou por causa de Deus? Claro que Deus era com
Israel sem que fosse necessário o voto, mas Jefté o fez. E quem é que
primeiro sai à porta de Jefté, após retornar da batalha? Sua filha,
única filha.
Ele poderia ter recorrido ao santuário de Siló e requerer a anulação do
voto, junto ao sacerdote Eli e ao profeta Samuel, mas não o fez. E mais
uma vez fica a interrogação: por que? Apesar de se mostrar decepcionado e
surpreso com o desfecho de seu voto, ele mantém as palavras: "Abri
minha boca ao Senhor e não voltarei atrás, filha minha, o que votei,
pagarei" Jz 12:34.
Todo o dilema sobre o voto de Jefté consiste em saber se:
- Sua filha foi sacrificada, queimada no fogo como oferta a Deus
- Foi sacrificada e ofertada como forma de consagração, não conhecendo homem algum, permanecendo virgem e trabalhando no templo em Siló.Esta alternativa, faria com que a sucessão parentesca de Jefté fosse inexistente.
Ao meu ver, é bem complicado confirmar uma ou outra alternativa, uma vez
que o texto é confuso no original e nas traduções. Porém, podemos
levantar hipoteses, considerando o contexto histórico da época.
Primeiramente, oferecer sacrifício humano, era algo proibido pela lei de
Moisés, sendo abominação ao Senhor. (Levítico 18:21; 20:2-6 e
Deuteronômio 12:31, 18:10). Como Deus aprovaria um voto que fosse
contrário a Sua lei? E daí, você pode perguntar: se sacrifício humano
era proibido, o que falar de Abraão e Isaac e do próprio Jesus Cristo?
Isaac não foi sacrificado. Em seu lugar, um cordeiro, apontando para o
sacrifício Pascoal.
Jesus é o Cordeiro de Deus. O unigênito de Deus ofertado como sacrifício
em nosso favor, o Seu sangue purifica o homem de todo pecado.
Absolutamente dentro do contexto prometido por toda Escritura. Não foi
sacrifício humano, foi Divino em favor dos humanos (Hebreus 9)
Mas o que intriga mesmo é que a palavra usada para holocausto, no voto
de Jefté, literalmente significa: Olah, em hebraico, sacrifício, oferta
queimada.
A filha ofertada para serviço no templo
Todos prefeririam que a história de Jefté não terminasse de forma tão
trágica e triste, e por isso, a segunda alternativa da filha ter sido
sacrificada, com vida dedicada ao serviço no templo seria a melhor
opção. Alguns argumentos, sustentam essa hipótese:
Juizes 11:37,38: "Disse a filha a seu pai Jefté:: Concede-me somente
isto: deixa-me por dois meses para que eu vá, e desça pelos montes,
chorando a minha virgindade com as minhas companheiras. 38 Disse ele:
Vai. E deixou-a ir por dois meses; então ela se foi com as suas
companheiras, e chorou a sua virgindade pelos montes."
Como é que alguém está prestes a ser morta e pede para chorar a
virgindade? Não deveria chorar a morte? De que serviria a virgindade em
um morto? Chorar a virgindade seria uma forma de lamentar não ter
conhecido varão, em vida? Não suscitar descendência a seu pai? Mas Jefté
poderia casar novamente e suscitar descendência de uma outra semente,
não acham?
Chorar a virgindade, pode se referir ao fato da filha de Jefté ser
consagrada ao serviço do Senhor, no templo em Siló e jamais poder
conhecer homem algum. Teólogos, porém afirmam que isso não procede, uma
vez que o texto Bíblico é enfatico ao afirmar: Juízes 11:40: " saíam as
moças durante quatro dias, todos os anos, para celebrar a memória da
filha de Jefté, o gileadita." E só se celebra memória de quem já morreu.
Esse assunto é instigante. A palavra "celebrar" aparece em algumas
traduções como "lamentar". Assim, de ano em ano, por quatro dias, as
moças virgens de Gileade, celebram ou lamentam a filha de Jefté.
Encontrei mais adiante, no livro de Juízes, referência a ruína da cidade
de Gileade: "Lá haviam quatrocentas moças virgens, que não conheceram
homens e as levaram a Siló, que está em Canaã" Jz 21:12 e como todas as
virgens de Gileade ainda não compreenderam a quantidade de homens que
procuravam casamento na região, recorreram as virgens de Siló:
"Há, porém, a festa anual do Senhor em Siló, ao norte de Betel, a leste
da estrada que vai de Betel a Siquém, e ao sul de Lebona". Juizes 21:19.
Anualmente acontecia as festividades no templo em Siló, onde
provavelmente a filha de Jefté servia ao Senhor. Se ela era celebrada de
ano em ano, pelas virgens de Gileade, poderia ser perfeitamente pela
ocasião das festividades em Siló. Uma oportunidade para reencontrar a
filha de Jefté e relembrar do voto do pai e de sua permanente
virgindade.
A realidade é que existem muitas especulações sobre o desfecho do voto
de Jefté e o destino de sua filha, mas vamos levar esse caso conosco
como um daqueles mistérios pertencentes somente a Deus e a quem viveu no
tempo dos juízes.
Não obstante as polêmicas, muito temos a aprender com a vida desse juiz
em Israel que saiu de uma vida repleta de dramas familiares para reinar
sobre um povo, o mesmo povo que o havia rejeitado. Jefté não se opôs a
defender os que lhe ofenderam. Ele venceu suas limitações e prosseguiu
como um guerreiro valoroso.
Eu, você e Jefté
Mesmo sendo um homem vitorioso em quem habitava o Espírito de Deus, ele
cometeu o grave erro de fazer um precipitado e imprudente voto. Ele
contava que algum animal saísse primeiro na porta de sua casa, uma vez
que na antiga Palestina a maioria das casas tinha o celeiro na parte
térrea inferior e as pessoas se acomodavam no andar de cima. Mas Jefté,
mesmo sendo um estrategista militar, não mediu as possibilidades. Grande
lição para nós! Devemos sempre, sempre, reconhecer nossas limitações e
confiar no Senhor para vencermos os inimigos. Rei Davi sempre
confessava: O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza e o meu
libertador; o meu Deus é o meu rochedo, em quem me refugio. Ele é o meu
escudo e o poder que me salva, a minha torre alta."Sl 18:2.
O voto de Jefté foi assim como uma loteria, um jogo de roleta russa, e
disso não se agrada o Senhor. Nossos votos, devem ser segundo a Palavra
de Deus. Sobre aquilo que podemos cumprir e que sabemos não ferirá: a
Deus, a nós, e ao próximo. E sua história de luta e vitória, a meu ver,
não pode ser desprezada. Serve de ânimo para aqueles que vivem dramas
familiares semelhantes.
Deus nos abençoe.